sábado, 1 de fevereiro de 2014

Para entender as transformações que o conceito de sustentabilidade vem sofrendo ao longo das últimas duas décadas, um bom ponto de partida é olhar o modo como as empresas vêm abordando as chamadas questões socioambientais em sua publicidade e comunicação corporativa. Especialmente nos últimos dez anos, a forma de comunicar esses temas mudou radicalmente e abriu caminho para que o próprio mercado publicitário se autorregulasse também quando o assunto é propaganda verde ou socioambiental. Aumentou a vigilância da sociedade, ao mesmo tempo em que o discurso e as ações das empresas foram crescendo em sofisticação. Hoje, não dá mais para apregoar boas práticas sem um trabalho consistente de comunicação. É possível delimitar algumas fases desse processo de transformação do discurso e das práticas de sustentabilidade. Até a década de 1990, as empresas não falavam sobre questões sociais ou ambientais em sua comunicação, muito menos nas campanhas publicitárias. Cabia às organizações não governamentais (ONGs) utilizarem a comunicação e a publicidade para defender suas causas, e mesmo assim o movimento ainda era incipiente. Ficou célebre, em 1987, a campanha da Fundação SOS Mata Atlântica que mostrava a bandeira do Brasil sem a metade de sua porção verde. Reforçando a impressão de que a bandeira estava literalmente sendo desmatada, o slogan: “Estão tirando o verde de nossa terra”. Assinada voluntariamente pela agência de publicidade DPZ, a peça virou uma espécie de símbolo da luta ambientalista que começava a se fortalecer no Brasil. “Até hoje somos lembrados por essa campanha”, conta Marcia Hirota, diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica. Onze anos depois, em 1998, outra campanha de impacto, desta vez a cargo da agência Young&Rubicam, mostrava duas árvores em posição que simulava os pulmões humanos e a frase: “Quer continuar a respirar? Comece a preservar.
Empresas boazinhas, mas caladas
Mas se para uma ONG a mensagem precisava ser líquida e certa para sensibilizar, no mundo corporativo a coisa era bem diferente. A ordem era não falar sobre as eventuais ações sociais e ambientais que as empresas desempenhavam. Estamos no início dos anos 1990, e as empresas começavam a ficar mais à vontade com as boas ações que praticavam – de doações a entidades assistencialistas às primeiras fundações empresariais criadas para sistematizar os investimentos de cunho social, sem qualquer ligação com o core business.
Já no final da década de 1990, o movimento das corporações adeptas das ações de filantropia e RSE começou a se organizar. Em 1998, funda-se, em São Paulo, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que acabou se tornando um dos marcos dessa tendência no país. A missão da organização, que perdura até hoje, é de “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável”.
A vez do socialmente responsável
Aos poucos, as empresas tomavam consciência de que não bastava praticar filantropia para serem bem-vistas aos olhos da sociedade, e começa um esforço para incorporar indicadores de atuação responsável aos seus sistemas de gestão. No Brasil, surgem os modelos de balanço social, os indicadores de gestão Ethos e não tardam a chegar até aqui as demandas por sistemas de certificação da qualidade (séries ISO 9001), meio ambiente (ISO 14001), saúde e segurança ocupacional (OHSAS 18001), especialmente na indústria.
Por fim, um passo importantíssimo foi dado na comunicação da responsabilidade social das empresas: a tendência da publicação dos relatórios de responsabilidade social, que começou em 1997 com a criação da Global Reporting Initiative (GRI) – organização holandesa sem fins lucrativos que fixou padrões para que as organizações relatassem seus impactos e suas ações socioambientais, do mesmo modo que relatam seus balanços financeiros. Isso se refletia no posicionamento institucional das empresas e em sua comunicação.
Atentos a essa demanda, os profissionais de comunicação Percival Caropreso, Renata Cook e Glen Martins (hoje em atuação solo na Empowerbrand) fundam, em 2005, a Setor 2 ½, uma das pioneiras no tema, cujo foco é trabalhar o pensamento estratégico de comunicação corporativa, branding e negócios. A Setor 2 ½ nasce da percepção de que aquele era um momento em que as empresas e organizações notavam necessidade de comunicar bem os seus valores, crenças e ações – mas não sabiam exatamente como.
Aracruz1 300x200 Dossiê Verde – Comunicação e sustentabilidadeUm dos cases que ilustram esse momento é o da fabricante de fibra de celulose Aracruz – hoje, Fibria. A companhia, um dos primeiros clientes da Setor 2 ½, decidiu, em 2006, assumir publicamente seu posicionamento como empresa responsável nas questões sociais e ambientais. Com mais de 80% das vendas ao exterior, ela viu aumentar fatores de pressão dos clientes internacionais, como certificações, manejo das florestas, condições dos trabalhadores e das comunidades do entorno.
Após examinar o contexto a fundo, percebeu-se que a Aracruz já havia incorporado práticas de gestão socioambiental e já era inclusive reconhecida e certificada por isso. “Mas esse conjunto de práticas não seguia uma linha estratégica. Eram ações táticas, avulsas, sem sinergia orgânica com o negócio”, relembra Percival Caropreso, sócio-fundador da Setor 2 ½. A proposta para a Aracruz foi que a empresa assumisse sua atividade de caráter agroindustrial: ou seja, só colhia o eucalipto que plantava.
A orientação era que a empresa organizasse suas ações sociais e ambientais com um sentido de negócio, além de afinar o discurso, antes carregado de filantropia, incorporando-o à estratégia corporativa. Daí surgiu, em 2007, o posicionamento em responsabilidade socioambiental da Aracuz: o Bem de Raiz. A Setor 2 ½ criou um brand history,alfabeto com fonte desenvolvida especialmente para a empresa, e um território visual para a expressão da marca, mais orgânico e alegre, utilizado em princípio na comunicação interna.
Concebeu, ainda, um programa de endomarketing, com histórias reais contadas por funcionários, fornecedores e clientes, que refletiam a preocupação da Aracruz com o ambiente e as pessoas – ação batizada de Causos de Raiz. Dois anos depois, quando o Bem de Raiz já se consolidava internamente na Aracruz, a agência W/Brasil (hoje W/McCann) criou a comunicação externa baseada no conceito. As peças publicitárias reforçavam o compromisso da empresa com as pessoas e o ambiente nos últimos 40 anos.
O apelo de Gisele pelas águas do Xingu

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